A Nau dos Loucos
No imaginário do renascimento a nau dos loucos transportava tipos sociais que embarcavam em uma grande viagem simbólica em busca de riquezas e dos presságios dos seus destinos e de suas verdades. Essas embarcações faziam parte da rotina dos loucos que eram expulsos das cidades e levados para territórios longínquos. Michel Foucault vê isso como uma inquietude em relação à loucura no fim da idade média e começo do renascimento. No século XV, a loucura começa a assombrar a imaginação do homem ocidental e a exercer atração e fascínio sobre ele.
No renascimento existem dois tipos de loucura: a experiência cósmica, composta pela nau dos loucos e uma experiência crítica relacionada a toda essa relação que o homem tem consigo mesmo. A loucura está fortemente relacionada com o próprio homem em relação aos seus sonhos, ilusões, fraquezas, representando o relacionamento que o homem mantem com ele mesmo sobre a sua própria condição no mundo.
A nau dos loucos, Narrenshiff, é uma obra literária ressuscitada dos temas místicos em 1413 em Borgonha por Blauwe Schute de Jacob Van Oestvoren. A nau dos loucos leva o homem a sua própria sorte e a ser prisioneiro de sua própria partida. Foucault detalha maravilhosamente essa passagem: “Mas a isso a água acrescenta a massa obscura de seus próprios valores: ela leva embora, mas faz mais do que isso, ela purifica. Além do mais a navegação entrega o homem a incerteza da sorte: nela cada um é confiado ao seu próprio destino. Todo embarque, possivelmente é o último. É para o outro mundo que parte o louco na sua barca louca; é de outro mundo que ele chega quando desembarca. Esta navegação do louco é simultaneamente a divisão rigorosa e a passagem absoluta..” Maravilhoso!
Continuando com Foucault: “A água e a navegação tem realmente esse papel. Fechado no navio, de onde ele não escapa, o louco é entregue ao rio de mil braços, ao mar de mil caminhos, a essa grande incerteza exterior a tudo. É um prisioneiro no meio do mais livre, da mais aberta das estradas: solidamente acorrentado à infinita encruzilhada. É o Passageiro por excelência, isto é, prisioneiro da passagem. E a terra à qual aportará não e conhecida, assim como não se sabe, quando desembarca, de que terra vem. Sua única verdade e sua única pátria são essa extensão estéril entre duas terras que não podem lhe pertencer. Uma coisa é certa, a água e a loucura estarão ligadas por muito tempo nos sonhos do homem europeu”.
No século XV, no mesmo período em que surge o tarô, o tema da nau dos loucos surge na literatura e na iconografia e começa a invadir as paisagens mais familiares. A figura do Louco, do simplório ou do bobo, assume cada vez mais importância. O Louco não é mais ridicularizado e toma o centro do teatro, como o detentor da verdade. O louco lembra a cada um a sua verdade e embarca em sua nau todos os homens. Ele reivindica para si mesmo estar mais próximo da felicidade e da razão.
O que é muito interessante é que o tema da morte no século XV é substituído pelo tema da loucura: o desatino da loucura substitui a morte e a seriedade que a acompanha. Como a morte reduzia o homem a nada, a contemplação de que a existência é um nada, alivia a dor da constatação do fim da existência.
Foucault escreve: “A substituição do tema da morte pela loucura não marca uma ruptura, mas sim, uma virada no interior da mesma inquietude”.
O Louco do Tarô traduz literalmente o que Foucault escreveu tão brilhantemente: O homem não sabe de onde veio e nem para onde vai. Estamos presos nessa travessia por uma estrada larga e acorrentados à infinita encruzilhada.
O tema do Louco continua num próximo post.
Bibliografia : A história da loucura na idade clássica – Michel Foucault
Comentários
feito eremita, acompanho a jornada do louco.
Parabéns e um beijo.
Um beijo!
Obrigada pelo carinho! Ando fascinada por Foucault!
Um beijo!
Obrigada pelo carinho da mensagem!
Um beijão!
Quando mandamos embora, matamos ou encarceramos, não estamos, em intuíto dando o mesmo fim?
Tem horas que eu quero crer que sim... Tudo uma coisa meio Diabo...